segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

TIPOLOGIA DO DINHEIRO – ESCUDETE E BESANTES

O escudo surge pela primeira vez, em dinheiros, no anverso de alguns exemplares de Afonso II. Na numária de D. Sancho II, o escudo e os escudetes exercem função distintiva, a par da cruz e dos símbolos cantonantes: escudo isolado com três ou cinco besantes, dispostos sob formas variadas; dois, quatro ou cinco escudetes (estes em cruz, com um besante por vezes rodeados por pontos).
A partir de Afonso III, os dinheiros novos adquirem uma nova estrutura, mantendo-se mais ou menos iguais até D. Fernando. Com Afonso III, de acordo com Ferro (1978:94):
a) Os escudetes surgem no reverso da moeda e sempre em número de cinco e em cruz. A sua disposição manter-se-á inalterável até D. João II, altura em que os escudetes laterais abandonarão a sua posição deitada.
b) Os escudetes encontram-se carregados de besantes em número e disposição variável, começando a ver-se em alguns deles a sua colocação em aspa ou sautor ou cruz de Santo André (><).
c) As quinas cortam a legenda do reverso: PO-RT-VG-AL.
d) Esta apresenta-se como complemento da do anverso, perfazendo a intitulação deste monarca: ALFONSVS REX PORTVGALIAE. Exceptua-se uma espécie em que o titulo se apresenta: AFONSVS REX ALGARBII. Com D. Dinis, assiste-se à fixação dos besantes em cinco e dispostos em aspa (há raríssimas excepções a partir daí). A presente estrutura mantém-se até D. Fernando, cujos escudetes tendem a ter todos os lados iguais.
Os besantes
Por Mário Carvalho, in Fórum de Numismática

Os besantes podem ter alguma utilidade para datar moedas dos últimos reinados da I Dinastia, pois desde D. Afonso IV a D. Fernando que o número e a disposição parece fixar-se (cinco em aspa). Mas isso é bastante relativo, pois existem exemplares de D. Afonso III com a disposição em aspa, enquanto existem exemplares de D. Dinis com disposição irregular. Antes de D. Afonso III os besantes, quando existem, têm uma disposição caótica, que poderá ir de apenas um até cinco, dispostos em cruz ou até em T. Em cima podemos apreciar um pouco a disposição dos besantes (ou a sua ausência) em dinheiros do início do século XIII até finais do século XIV.
Nos primeiros três exemplares, vemos que nem sequer existem besantes, estando os escudetes vazios. Nos exemplares 4 e 5 (Afonso III) os besantes são cinco, mas dispostos em cruz; penso que seja a disposição mais comum em moedas deste monarca. O número 6 apresenta uma cunhagem muito deficiente, mas julgo que o número e a disposição dos besantes deveria ser como os anteriores. O dinheiro número 7, de D. Dinis, é interessante, pois apresenta já os besantes alinhados em aspa, o que ainda não é muito comum neste monarca. Nos números 8 e 9 (D. Pedro e D. Fernando) a tendência é já para a disposição clássica, nota-se até já uma grande modernidade nas quinas e besantes do dinheiro de D. Fernando.

2 comentários:

JOSÉ SILVA disse...

Estou entretido a ler o "Catálogo de Moedas Portuguesas do Gabinete de Numismática da Biblioteca Nacional de Lisboa" (I Volume, 1978, p. 54), de Maria José Pimenta Ferro. É evidente que, quando lemos, vamos relacionando informações, comparando factos, e é assim que vamos fruindo a coisa e aprendendo, logicamente.

Quando realizamos análises sobre amoedação, características das moedas, orientações ideológicas que fundamentam traços monetários, partimos do princípio de que há uma espécie de regra de fabrico, inscrita nos diversos cunhos. É nesse sentido que vejo a tentativa do Mário em organizar talvez esquemas dos ceitis (acho a ideia interessantísima, e participarei nela quando tiver mais tempo)... Leio no Catálogo o seguinte, e suspendo as minhas análises:

" A disposição e o número de besantes resultam mais da imaginação e da concepção estética do moedeiro do que de qualquer orientação ideológica ou similar".

É interessante esta ideia de Maria Ferro ( que confirma, aliás, Ferraro Vaz): de que forma se processava a "orientação ideológica"?

In "Fórum de Numismática"

Anónimo disse...

Mário Carvalho, in "Fórum de Numismática"

Ora aí está uma boa questão.

Para tentar repondê-la creio que é necessário localizar bem a cunhagem manual de moedas ao longo dos séculos.

Assim, vou dividir a cunhagem manual em três períodos distintos:

1-Formação e Consolidação da Nacionalidade
2-Processo de Centralização Político
3-Afirmação do Estado Moderno.

O primeiro período pode ser entendido, a meu ver, desde 1128 até aos finais do reinado de D. Afonso III, por volta da década de 1270.
É uma fase em que Portugal se vai construindo, primeiro com a acção de D. Afonso Henriques e depois com as dos seus sucessores mais imediatos. O reino ainda não tem uma definição estável, nem a nível territorial, nem a nível institucional. Os símbolos, como as quinas e os besantes, são experimentados, parece não haver regra. Talvez a afirmação "orientação ideológica", a meu ver poderia ser traduzida simplesmente por capricho estético dos moedeiros.
Ao mesmo tempo, há uma forte dispersão de poderes, é o Portugal senhorial quem manda, ainda com grande prevalência dos magnatas Portucalenses, Maias, Soeiros, Paios e etc. O rei, como símbolo de centralização e padronização é ainda muito fraco, chamam-lhe apenas um primus inter pares, é tido como igual entre os nobres. A lei não é igual para todo o reino, e mesmo nas terras propriamente da coroa, os concelhos, há variações enormes. As moedas, com os símbolos ainda muito instáveis, reflectem esse momento de incertezas, são usados símbolos pessoais do rei, como as espadas ou cravos, juntamente com o escudo.

A segunda fase, diz respeito às primeiras medidas (tentativas) de centralização e padronização do poder e dos seus símbolos.
Começa nos finais do reinado de D. Afonso III, com a criação da chacelaria do rei, a substituição da velha nobreza pelos novos infanções (aqueles que o haviam apoiado na guerra civil contra D. Sancho II), são a base da fidalguia portuguesa que iria prevalecer até ao reinado de D. João I, e própria padronização da língua, o Português.
Penso que poderá ser datada até ao reinado de D. Afonso V (com alguns precalços pelo caminho, como referirei).
É então dos finais do século XIII a meados do século XIV que a capital se fixa em Lisboa, o poder centraliza-se. A casa da moeda principal estabelece-se no próprio paço e, apesar dos contratos de amoedagem ser feitos entre o rei e os mestres moedeiros (o que dá bastante liberdade aos artistas), nota-se que os símbolos, como as quinas e os besantes, começam lentamente a padronizar-se e a fixar-se em cinco (em cruz ou em aspa).
Quem quiser dar uma espreitadela pelo reinado de D. Dinis, verá que este monarca também foi já um homem que decidiu agarrar e organizar o país de norte a sul, restaurando-o e padronizando-o (os castelos de D. Dinis, por exemplo, são iguais do Alentejo até Chaves). As próprias fronteiras do reino são definitivamente seladas.
Os sucessores de D. Dinis até D. Fernando vão dando continuidade a essa tendência, os símbolos fixam-se; o próprio estandarte (ou bandeira) mantem-se inalterável até ao final da dinastia. A nobreza apazigua-se e submete-se ao poder central (apesar dos precalços por volta de 1320) ou vai viver para a corte.
As convulsões de 1383/85 levam à derrocada da primeira dinastia, D. João I é aclamado rei, mas o processo de padronização não diminui; as armas reais passam a ser adoptadas como armas nacionais (a única diferença é a inserção da Flor de Liz na bandeira), as quinas mantêm-se como estavam, com o número de besantes fixo em 5; os castelos é que vão variando, como aliás o vinham desde D. Afonso III, variam entre 2 e 15 (talvez mais, mas não conheço), curiosamente, a experiência com 7 castelos (a que se mantem no escudo actual) foi feita por D. João I de Castela, marido de D. Beatriz, que chegou a intitular-se rei de Portugal (antes de Aljubarrota, é claro ).
Bom, o reinado de D. João I, apesar de significar uma dispersão territorial (D. João doou muitas terras à nova nobreza que o apoiou), é já um momento de centralização forte; começam os grandes planos nacionais, como a expansão marítima. Os símbolos vão-se estabelecendo.
Os seus descendentes, D. Duarte e D. Afonso V dão continuidade a essa tendência.

Terceira e última etapa: a centralização e padronização completa. O Estado torna-se moderno. Começa em força com D. João II e prolonga-se pelo reinado de D. Manuel I.
Dizem que Afonso V, no leito da morte, virou-se para o filho, D. João, e terá dito que lhe dei deixava apenas as estradas de Portugal. Tudo o resto estava nas mãos dos nobres (como os Bragança e os Aveiro). Talvez por isso, mas sobretudo por viver numa época propícia ao nascimento do absolutismo, D. João II começa, por conta própria, a reclamar o território que é seu; assassina, com as próprias mãos, os seus primos mais poderosos (o duque de Aveiro, por exemplo) e fica-lhes com as terras. Em seguida passa à padronização das armas do reino. Estabelece a disposição moderna das quinas, com os cinco besantes, e estipula o número de castelos em 7. Nasce definitivamente o escudo moderno. É cada vez mais corrente as moedas com o escudo coroado com bordadura e os sete castelos à volta, com rigorosamente todos os elementos com que chegou até 1910.
O sucessor de João II, D. Manuel I, manteve esse movimento padronizador, reformou todos os forais e fez os chamados Forais Novos, que são as leis para os Concelhos, mas praticamente todos iguais (parecem produzidos em série); tentou introduzir pesos e medidas iguais, organizou em Lisboa um conjunto de gabinetes, que poderiamos chamar ministérios, que actuavam com leis iguais para todo o reino. Com a excepção dos ceitis, que apesar de já terem as quinas e os besantes definidos de maneira moderna, todas as moedas apresentam já o escudo com bordadura e sete castelos; nasce, inclusivamente, o modelo de moeda (Escudo no anv. e Cruz de Cristo no rev. que viria a ser adoptado até ao reinado de D. Maria II).

Bom, depois disto as coisas tornaram-se absolutamente padronizadas, seja ainda na cunhagem manual, como depois com a cunhagem mecânica. Podemos ver diferenças no formato do escudo, apenas, os elementos chave mantêm-se e, tirando a coroa, continuam até aos nossos dias.